quarta-feira, 16 de novembro de 2011

História-Um Anjo Escondido - Por: Ora Cohen


Um Anjo Escondido
Por: Ora Cohen


Não é do meu feitio sentar-me e escrever algo assim, e no entanto, sinto-me na obrigação de fazê-lo. Sou uma pessoa quieta, que leva uma vida calma, e não havia nada digno de nota ou interessante sobre eu ou minha família, até que infelizmente a tragédia se abateu e transformou o comum em extraordinário.

Em 19 de agosto de 2003, meu marido e eu estávamos celebrando nosso aniversário de nove anos de casamento. Com cinco crianças pequenas, o mais novo somente com um mês na ocasião. Não saímos de casa com freqüência. O ano escolar estava para começar na semana seguinte, portanto decidimos fazer algo especial com as crianças. Eles queriam muito ir ao Cotel (Muro Ocidental) e nós, também, sentimos que seria o melhor lugar para comemorar nosso aniversário.

Uma vez lá, meus filhos corriam por toda parte, divertindo-se. Cada um teve uma chance de rezar ao pé do muro e recitar Tehilim (Salmos) e mesmo assim, deram um jeito de transformar a praça num playground, pois eles e outras crianças da mesma idade brincavam de pega-pega. Tiramos lindas fotos de nossos filhos naquela noite com uma câmera novinha que finalmente tínhamos conseguido comprar. E para o bebê, Elchanan, que tinha nascido somente algumas semanas antes, encostar seu corpinho e mãos nas pedras do Cotel foi uma experiência muito especial.

Minutos antes de deixarmos o local, encontramos amigos que não víamos já há algum tempo. Eles formam uma família grande, mas tinham levado apenas os filhos menores. Sentamo-nos e conversamos, apreciando nosso tempo juntos, até que percebi que já passava da hora de dormir e decidimos esperar o ônibus.
Eram cerca de nove horas quando o ônibus chegou e uma grande multidão se empurrava para entrar. Como o motorista tinha aberto as duas portas, entramos pela metade do ônibus, meu marido levando a pequena Shira de 1 ano e meio com ele, e eu com Elchanan e minha filha mais velha, Meirav, além de Orly, nossa filha do meio, de quatro anos. Nosso filho Daniel de seis, preferiu sentar-se junto com nossos amigos, que tinham embarcado conosco. Elchanan estava faminto, portanto cobri-o com um cobertor e comecei a amamentar. Mal havia espaço para respirar dentro do ônibus, muito menos mexer-se, e por isso não fiquei muito animada quando Daniel chegou de repente, empurrando e incomodando as irmãs em busca de um lugar para ficar em pé. Ele explicou que uma mulher grávida não tinha um banco e então ele deu a ela o seu, para juntar-se a nós.
O que aconteceu em seguida é simplesmente indescritível. Na verdade, não escutei coisa alguma – diz-se que nunca se escuta. Houve apenas aquele silêncio pesado por cerca de meio minuto, quando os sentidos de todos procuravam entender o que aconteceu. E então começaram os guinchos. O metal do ônibus tinha caído em cima de mim, e eu não podia ver ou ouvir muita coisa. Meus tímpanos tinham estourado, e eu mal estava consciente. Tudo a partir daquele instante se transformou num borrão. Eu não sabia onde meus filhos estavam; eu não sabia nada. De repente, senti que estava sendo erguida, pois trabalhadores do resgate tentavam me tirar dos escombros. Senti alguma coisa cair do meu colo e sabia que era meu bebê, mas não o escutei chorar e tive medo que estivesse morto. Eu gritava para eles: "Meu bebê, meu bebê…" mas eles não sabiam ao quê eu me referia. O ônibus estava lotado de mães e filhos, e todas procuravam seu bebê.
As cinco horas seguintes foram algo pelo qual ninguém deveria ter de passar. Fui levada ao hospital e meus ferimentos foram tratados, mas havia vítimas e emergências demais para que eu recebesse as respostas que precisava tão desesperadamente – onde estava meu marido, onde estavam meus filhos?
Eu estava completamente sozinha. Ninguém sabia que tínhamos ido ao Cotel naquela noite. Eu não tinha ninguém a quem me voltar. Eu viera do Irã para Israel, e minha família está toda nos Estados Unidos. Eu não podia falar com minha mãe, por ela não estava bem de saúde e eu achava que ela não conseguiria suportar a notícia.
Então sentei-me durante horas, rezando pelo melhor e tentando me preparar para o pior. Finalmente descobri que meu marido estava no mesmo hospital. Ele estivera de frente para o homem da bomba, e fora atingido por metal, pregos e vidro no rosto e no olho. Shira estava em seu colo, mas ele não sabia o que tinha acontecido com ela. Ele se lembrava, porém de ter ouvido seus gritos. Para mim isso era uma notícia maravilhosa, pois se estava gritando, ela estava viva.
Em seguida descobrimos que nossos filhos mais velhos, Meirav, Daniel e Orly também estavam no mesmo hospital. Os ouvidos tinham sido seriamente afetados, mas escaparam milagrosamente de maiores ferimentos. Orly ainda estava inconsciente, mas aquilo pode ter sido uma bênção, pois desde o momento em que acordou ela não parava de gritar.

Faltavam o bebê e Shira. Sem que soubéssemos, os noticiários estavam pedindo informações sobre os pais de duas crianças que tinham chegado a um hospital sem identificação. Um era recém-nascido, e a outra uma garotinha. Ninguém sabia que eram parentes. Ninguém sabia que eram meus filhos. Finalmente, horas depois, uma mulher levou-me sapatinhos pelos quais pude identificar Shira, e um Raio-X indicou que o bebê tinha somente um rim, e com certeza, Elchanan nascera apenas com um.

Por milagre, minha família tinha sobrevivido. Demorou ainda um dia para ouvirmos que outros não tinham sido tão afortunados. Incluídos naquele grupo estavam nossos queridos amigos que estavam conosco naquela noite. O filho de onze meses deles, Shmuel, tinha morrido. Junto com ele, no mesmo banco onde Daniel estivera sentado, a mulher grávida, a mãe de um bebê de um ano, aos nove meses de gestação, também tinham sido brutalmente assassinados.

No dia seguinte meus filhos foram transferidos para o meu quarto, com meu marido um andar acima. Shira e Elchanan permaneceram no outro hospital, e só pude vê-los em uma semana. Descobrimos que Shira tinha sofrido os ferimentos mais graves, e os médicos temiam que ela tivesse perdido a visão total em um dos olhos. Ela passou imediatamente por uma cirurgia e quando foi levada até meu quarto, seu rostinho lindo e sua cabeça estavam enfaixados, escondendo as horríveis marcas onde o vidro e estilhaços haviam perfurado suas bochechas. 
Elchanan, fomos informados, só foi encontrado uma hora depois da explosão. Quando começaram a remover os mortos, ouviram um choro de bebê. Ele estava oculto sob três corpos.

A história que acabo de contar, talvez você já tenha ouvido. A maioria das pessoas já ouviu. É o mesmo tipo de história na qual a mídia tende a se concentrar. Logo em seguida à explosão, ficamos bem populares. Nosso quarto ficava repleto de visitantes, flores e balões. As pessoas ofereciam ajuda a apoio, e a bondade era tocante e inacreditável. Mas como ocorre com a maioria das coisas, quando a comoção se acalmou, o mesmo sucedeu com a reação e o interesse.

E é por isso que estou escrevendo esta história. Não é para contar aquilo que talvez você tenha escutado, mas para revelar algo que você com certeza não sabe. Eu sei que Jay Litvin, de abençoada memória, era o escritor original para o site www.chabad.org. Muitos de vocês leram suas palavras comoventes e se conectaram com ele em diversas maneiras. Para mim, Jay era um anjo. Além de tudo que ele fez em seu papel de marido, pai de sete filhos, escritor e contato médico para as Crianças de Chernobyl, Jay era também um dos diretores do Projeto Chabad Para as Vítimas do Terror. A partir do momento em que Chabad soube de nossa provação, ele não saiu do nosso lado. Mas Jay fez mais que apenas seu trabalho; ele tomou sobre si o encargo de se preocupar, cuidar e fazer contatos, sempre perguntando se havia algo mais que precisávamos.
Jay não somente providenciou o que nos faltava, como também aquilo que queríamos, as coisas que num momento daqueles poderiam tornar a vida mais fácil. Assegurou que as crianças recebessem os tipos certos de brinquedos, que tivéssemos babás para ajudar-nos e outros cuidados infantis.

Quando ele soube da situação de Shira, Jay tomou a si a missão de encontrar os melhores médicos no país para tratá-la. Além disso, passou horas tentando contactar suas conexões nos Estados Unidos, vendo se um dos médicos que ele conhecia doaria os serviços da cirurgia plástica que Shira precisaria. Ele telefonava constantemente para perguntar sobre ela e seu progresso.
Há alguns meses, Jay falou sobre o Projeto Chabad Para as Vítimas do Terror num seminário Chabad em Jerusalém. As meninas ficaram tão comovidas que todas quiseram se oferecer como voluntárias. Até hoje, uma vez por semana duas jovens maravilhosas vão até nossa casa, brincar com as crianças menores para que eu possa ajudar as maiores com as tarefas escolares.

Comecei a me perguntar, na época de Purim, por que eu estava tendo dificuldade tentando contactar Jay. Eu não sabia que algumas das vezes que ele me telefonara, fora de uma cama de hospital, lutando pela sua própria vida. Ele nunca falava de si mesmo ou de sua própria dor, ou daquilo pelo qual estava passando. Ele simplesmente se concentrava em ajudar outras pessoas, e fazer tudo que pudesse para tornar nossa vida menos dolorosa.

Quando eu soube da terrível notícia de seu falecimento prematuro, fiquei completamente devastada. Senti-me tão sozinha, tão abandonada. Eu sabia que havia outros que ajudariam, mas ninguém poderia substituir o amor que Jay tinha nos dado. Fui até sua casa para visitar sua família durante a shivá, e conheci sua maravilhosa esposa. Com lágrimas nos olhos, ela falou o quanto era difícil para ele ficar no hospital já perto do fim. Não por causa da terrível dor que ele tinha de suportar, mas porque era incapaz de responder seu e-mail e os telefonemas, e de estar ali para todos nós a quem ele ajudava tanto.

Eu nem sequer sabia que Jay era escritor, embora eu tenha agora descoberto que suas palavras tocaram o coração e a alma de centenas, ou milhares, em todo o mundo. Mas não importa o quanto suas palavras foram poderosas, elas não podiam se comparar às suas ações. Sinto-me tão abençoada por tê-lo conhecido, e por ele ter feito parte de nossa vida. Ainda estamos lutando, e será uma longa estrada até a recuperação, mas Jay fez tudo ao seu alcance para facilitar nossa jornada. E quando penso nele e na nossa última conversa, ainda posso ouvir a alegria em sua voz quando lhe falei que a última cirurgia de Shira fora muito bem-sucedida. Posso ouvir seu "Graças a D’us!" quando eu expliquei que as bandagens tinham sido retiradas, e que os médicos têm esperanças de que a visão de Shira será restaurada.

Este é o Jay Litvin que eu conhecia, e que queria compartilhar com vocês. Sua perda não é apenas uma perda particular, mas para todo o povo judeu. E pelo mérito de tudo aquilo que Jay fez a todos que o cercavam, rezo para que sejamos abençoados e possamos tê-lo conosco novamente, sem mais dor e sofrimento, através da revelação de Mashiach, imediatamente.