quarta-feira, 4 de abril de 2012

História Chassidica - Shabat: uma boa caminhada!

Shabat: uma boa caminhada!
    Por: Steve Hyatt

Quando saí pela porta da nossa casa novinha em folha eu estava sorrindo como um gato quando avista uma tigela de leite. Toquei a mezuzá no batente e caminhei pela passagem lateral que leva à rua que passa na frente da minha casa. Após dar cerca de três passos, meus olhos começam a lacrimejar, meu rosto fica rubro e meus dedos começam a congelar como salsichas congeladas.

"Deve estar fazendo 10 graus negativos aqui fora" – pensei comigo mesmo.

Quando minha mulher Linda e eu nos mudamos para Reno, Nevada, tivemos sorte de encontrar uma casa a 3 quilômetros de distância da Sinagoga Chabad. Como nunca tínhamos morado perto de uma sinagoga antes, eu estava empolgado com a chance de apreciar uma rápida caminhada no Shabat até a sinagoga todas as semanas. Ora, não é incomum para mim caminhar 4 ou 5 quilômetros quando me exercito na esteira, portanto eu sabia que andar três quilômetros até a sinagoga no Shabat seria moleza. No entanto, devo admitir, eu nunca andara na esteira numa temperatura daquelas, com um vento soprando como uma rajada direta sobre o meu rosto. Após caminhar uns 100 metros, parei e refleti sobre a idéia de voltar e pegar o carro para ir à sinagoga.

"Quem saberia" – perguntei a mim mesmo. "Você saberia" – respondi sem hesitar.

Enquanto eu fazia uma pausa para analisar minha situação, meu bom amigo Desmond Rotehnberg apareceu de repente na minha cabeça. Des, como gosto de chamá-lo, é o gabai da Sinagoga Chabad em Wilmington, Delaware. Ele é o sujeito que chega cedo à sinagoga no Shabat, certifica-se que todas as cadeiras estão perfeitamente alinhadas, todos os sidurim estão empilhados na prateleira e que a sinagoga está pronta para o minyan.

Durante minha última visita a Wilmington, fui ao bar mitsvá de outro amigo, o jovem Davi Vogel. Não é preciso dizer que nos divertimos muito celebrando o dia especial de Davi. Parentes e amigos do mundo inteiro foram para escutar Davi liderar a reza, ler na Torá e cantar sua Haftará. Após uma tarde de celebração e alegria, o sol finalmente se pôs, as estrelas iluminaram o céu e aqueles que permaneceram na casa dos Vogel participaram na cerimônia da Havdalá, que assinala oficialmente a conclusão do Shabat.

Eu tinha aproveitado uma promoção da companhia aérea, e voltaria a Nevada num vôo tarde da noite. Quando eu estava saindo, ouvi alguém dizer: "Já é tarde, alguém pode dar uma carona a Des até sua casa?" Eu ainda tinha 4 horas para pegar o avião, portanto ofereci-me alegremente. Presumi que ele morasse perto, pois tinha sido o gabai desde a primeira vez que eu entrara na Sinagoga Chabad de Delaware, há muitos anos.

Des e eu entramos no meu Ford Focus alugado e começamos nossa jornada. Os primeiros quilômetros passaram, e mais alguns. Após 6 quilômetros eu perguntei: "Perdemos alguma entrada, pois já andamos mais de seis quilômetros?"

Ele riu e disse:

"Steve, pode seguir em frente."

Quando já tínhamos rodado oito quilômetros eu vi um sinal na beira da estrada: "Bem-vindo à Pensilvânia." Meu coração disparou! Com a paisagem de Delaware desaparecendo rapidamente no espelho retrovisor, eu disse: "Des, onde exatamente você mora?" Ele respondeu: "Moro a mais três quilômetros estrada abaixo. Vá até o segundo farol, entre à direita e teremos chegado."
Incrédulo, eu perguntei: "Você mora a dez quilômetros da sinagoga e vai e volta a pé todo Shabat?" Ele disse: "É apenas uma boa caminhada, Steve".

Quando finalmente encostei na frente da casa dele eu disse: "Des, você faz toda esta caminhada, atravessa a fronteira entre dois estados, seja com neve ou chuva?" Ele riu: "Bem, quando neva ou chove eu apenas ando mais depressa!"

Olhei para ele e balancei a cabeça, admirado. Demos um aperto de mão como despedida, desejamos boa sorte um ao outro e nos separamos. Enquanto ele se dirigia para a porta de entrada, eu estava admirado pelo seu comprometimento.

Todo Shabat ele anda dezoito quilômetros, passa por dois estados e ainda consegue verificar se a sinagoga está perfeita antes que chegue o restante da congregação. Eu, por outro lado, reclamo se meu chá está um pouquinho frio!

A lembrança deste encontro bombardeava meu cérebro, enquanto eu estava ali no topo de uma ladeira em Reno, sentindo pena de mim mesmo porque minhas orelhas estavam um pouco geladas e o vento uivante desmanchava meu cabelo. Pensei em Des e seu compromisso inabalável com suas crenças, sua sinagoga e seus amigos. O mantra de Des, "É apenas uma boa caminhada" seria agora meu mantra. Inspirado pelo seu exemplo eu sacudi fora os arrepios, soprei nas mãos para aquecê-las e comecei a descer a ladeira. À medida que os metros se tornavam dezenas, as dezenas e centenas de metros, e depois quilômetros, meu corpo começou a se aquecer. Os braços e pernas bombeavam como uma equipe de corrida. Vi-me cobrindo rapidamente a distância entre minha casa e a sinagoga.

Antes que você pudesse dizer "Por favor, passe-me o kuguel", eu estava abrindo a porta da sinagoga. Ali de pé, com um grande sorriso no rosto, estava o Rabino Mendel Cunin. Ele cumprimentou-me calorosamente e disse: "Shabat Shalom, Steve. Olhei pela janela e vi você andando rapidamente para cá. Não está um dia maravilhoso para uma boa caminhada de Shabat?"
Penando em Des, eu disse: "Foi uma boa caminhada, Rabino."

Após concluirmos a reza de Shacharit, Rebetsin Sara Cunin serviu-nos um suntuoso kidush. Enquanto eu mastigava um delicioso arenque, um caprichado cholent e outras delícias variadas, Rabino Cunin perguntou-me sobre a minha caminhada na manhã gelada. Relatei minha história sobre o meu bom amigo Des, e todos ficaram maravilhados com a sua dedicação. Ao final do kidush eu desejei Shabat Shalom e todos e peguei meu caminho de volta colina acima.

Logo descobri que descer três quilômetros de uma colina é muito mais fácil que subir três quilômetros colina acima. Graças ao espírito do Shabat e meu inspirador amigo Des, consegui chegar em casa. Cerca de dois meses depois eu estava saindo da sinagoga para minha caminhada, colina acima, quando um amigo do nosso minyan parou-me e perguntou se havia casas à venda perto da minha. Eu disse a ele que havia algumas muito boas disponíveis no momento. Lembrei a ele que eu vivia a cerca de três quilômetros dali. Ele disse que isso não o incomodava, e que se achasse o lugar certo, poderíamos caminhar juntos até a sinagoga.
Nos despedimos e comecei a subir.

Enquanto eu passava pelas ruas sinuosas que levavam a minha casa, maravilhei-me pela série de eventos que tinham ocorrido recentemente. Uma oportunidade "ao acaso" de dar uma carona a um amigo após uma celebração tinha, por seu exemplo, inspirado amigos e estranhos a milhares de quilômetros de distância. É claro que se você perguntar a Des, ele apenas dará de ombros e dirá: "É apenas uma boa caminhada!"

Fonte:http://www.chabad.org.br/