quinta-feira, 26 de abril de 2012

História Chassídica - Um avião, um barco e uma haftará

Um avião, um barco e uma haftará
Por: Steve Hyatt


O vôo da United para Filadélfia mal tinha deixado a pista em Portland quando eu tirei meu Chumash, coloquei meus fones de ouvido e toquei a fita que Rabi Vogel tinha me enviado para estudar para minha Haftará. Não pude deixar de sorrir quando ouvi suas primeiras palavras: "OK, Shloma Yakov, aqui está a fita, estou certo de que você será fantástico!"

Fantástico mesmo. Eu tinha estudado durante seis meses e não importa o quanto tentasse, simplesmente não conseguia memorizar as melodias de haftará. Seis meses antes, durante Simchat Torá, eu tinha feito uma promessa que cumpriria uma mitsvá: a de estudar e cantar a haftará que eu deveria ter apresentado no meu bar mitsvá 33 anos antes. Infelizmente, naquela época eu era um estudante tão ruim na escola de hebraico que meu piedoso professor Rabi Lapidut sabiamente me aconselhara a limitar minha parte a uma aliyah matinal e mais tarde liderar o serviço de minchá daquele dia. E mesmo aquilo tinha sido um enorme desafio.

Obviamente a vida tinha mudado desde que eu descobrira Chabad, e recitar a haftará da minha juventude tinha parecido uma boa idéia enquanto eu estava dançando com a Torá e cantando com meus amigos em Simchat Torá. Mas agora estava quase na "hora do jogo" e eu simplesmente não estava pronto. Até enquanto eu estava praticando no avião, subconscientemente estava procurando a desculpa certa para cair fora daquilo. "Eu tinha negócios a resolver em Minnesota e não pude voltar a Delaware, ou um alce atropelou meu carro na ida para o aeroporto e perdi o avião." Eu estava desesperado para evitar fazer papel de tolo na frente da família e dos amigos em junho.

Enquanto eu estava ali sentado, cheio de dúvidas, uma senhora de meia-idade passou, olhou para meu Chumash aberto, olhou para mim e depois continuou andando. Pouco depois ela passou de novo, olhou para o Chumash, novamente para mim, e seguiu andando. Repetindo isto por uma meia hora, ela finalmente parou na minha frente e fez um sinal para eu tirar os fones de ouvido. Ela disse: "Não é com freqüëncia que se vê alguém lendo um livro em hebraico num avião. O que você está lendo?" Expliquei que estava praticando para minha haftará.

Ela sorriu e sem ser convidada, sentou-se ao meu lado e começou a contar-me a história de sua vida. Era médica aposentada, morava em Los Angeles e juntamente com seu marido estava a caminho da Filadélfia para visitar o filho. Após uns 45 minutos, ela voltou à sua poltrona e começou a conversar com o marido. Em seguida ele levantou-se e foi falar comigo. Tirou do bolso um velho artigo de jornal e deu-me para ler. Ele explicou que a foto no artigo era da classe na escola de seu primo na Hungria, durante a Segunda Guerra. Ele apontou para o primo e disse que ele fora o único membro da classe que tinha escapado quando os nazistas invadiram sua aldeia. Ele achou que como eu estava estudando para minha haftará, talvez gostasse de ler o artigo.

A história comoveu-me, mas fiquei intrigado sobre o porquê de ele pensar que tinha uma conexão com minha haftará. Quando o avião aterrissou, a médica e seu marido se despediram e desapareceram na multidão do aeroporto.

Após apanhar minha bagagem, aluguei um carro, peguei a estrada e dirigi rumo sul, até o Chabad de Delaware, onde o segundo filho de Rabi Vogel, Arelê, celebraria seu bar mitsvá. Quando atravessei o limite do estado de Delaware, quase podia sentir o aroma do delicioso kuguel da Rebetsin no forno!

A noite seguinte, Shabat, foi de completa alegria enquanto amigos e membros da família rezavam, faziam kidush, comiam, riam e cantavam juntos. Na manhã seguinte, Arelê nos deixou orgulhosos liderando a reza, lendo da Torá e cantando uma haftará magnífica.

Quando terminou a reza, a celebração começou para valer, com um farbrenguen completo. Cada participante da mesa dividia idéias e sabedoria sobre a parashá, as responsabilidades que um rapaz assume no seu bar mitsvá e diversas discussões sobre espiritualidade e engajamento.

Em meio às festividades, Rabi Vogel pediu ao seu pai, Reb Noson Vogel, para relatar sua fuga miraculosa dos nazistas, no último barco saído de Calais, na França, antes de os nazistas dominarem o país. Depois de muito encorajamento por parte de todos, Reb Vogel concordou. Ele descreveu como, naquele dia fatídico, que "coincidentemente" fazia 61 anos exatos no dia do bar mitsvá de Arelê, sua irmã tinha convencido um guarda a deixar que ela e a família escalassem secretamente uma parede do navio e embarcassem antes que ele deixasse o porto. Como no final eles foram quatro, das menos de cem almas, que tinham escapado das garras dos capangas de Hitler naquele dia. Ele falou sobre a angústia de deixar o porto, enquanto milhares ficavam nas docas, sua última esperança de sobrevivência desaparecendo lentamente no horizonte.

Ele explicou que somente através da bênção de D’us ele e a família puderam escapar das mãos dos nazistas, e como ele tinha dedicado a vida a frustrar o supremo plano de Hitler, promovendo e apoiando a educação judaica no mundo inteiro. Alguns anos após partir de Calais, Reb Vogel estabeleceu a High School Lubavitch para meninos e a Yeshivá Lubavitch em Londres, enviando centenas de rapazes para divulgar o Judaísmo nas comunidades judaicas em todo o mundo. Ele prosseguiu dizendo que a cada mitsvá cumprida, com cada bar mitsvá celebrado (incluindo aqueles dos seus maravilhosos netos), e com cada novo menino ou menina educado, ele de alguma pequena maneira assegurava que não somente o povo judeu sobreviveria espiritualmente, mas iria florescer no mundo pós-Hitler.

Quando terminou o Shabat e estava na hora de voltar ao Oregon, eu tinha uma nova paixão no meu coração. Quando iniciei esta jornada, estava temeroso de "parecer tolo" na frente dos meus amigos, porque o tom da minha haftará não era perfeito. Após conhecer o casal no avião e escutar as palavras de inspiração de Reb Vogel, eu percebi que estudar e cantar a haftará era mais importante do que eu tinha imaginado.

Eu vi que, independentemente da qualidade melódica da minha haftará, era imperativo completá-la. Pois cada nota da minha haftará e as milhões que outros cantam e cantarão servem para nos lembrar que, apesar da má intenção dos faraós, dos Hamans e dos Hitlers da história, o espírito do povo judeu sempre brilhará em todo o mundo. Eles asseguram que as lágrimas derramadas pelo único sobrevivente de uma escola na Hungria não foram em vão. Que a determinação e fé que um garoto judeu e sua família demonstraram ao subir no último navio deixando a Alemanha de Hitler servirão para sempre como um farol de esclarecimento para meninos e meninas judeus, aprofundando seu apego ao estudo e modo de vida judaico.

Quando me sentei novamente, não pude deixar de me maravilhar pelas duas histórias dolorosas, mas inspiradoras, que tinha ouvido naqueles últimos dias. Agradeci a Hashem por estas bênçãos maravilhosas, peguei meu Chumash, ajeitei os fones de ouvido e voltei ao trabalho.


Fonte:Chabad.Org.Br